LIMBO TRABALHISTA PREVIDENCIÁRIO

Problema recorrente para empresas e trabalhadores, o limbo trabalhista previdenciário traz sempre preocupação para as partes da relação de emprego. De fato, ninguém quer estar no limbo, local de esquecimento e abandono. Mais especificamente no limbo jurídico objeto desse texto, o trabalhador pode se ver entre dois ramos do Direito (Direito do Trabalho e Previdenciário), sem que saiba ao certo de quem é a responsabilidade pela sua situação.

O chamado “limbo previdenciário” é, geralmente, a situação que ocorre quando o INSS encerra o pagamento do benefício previdenciário ao trabalhador (pela alta médica previdenciária) e determina o seu retorno à atividade laborativa, mas, contrariamente, o médico da empresa, no exame de retorno, atesta a inaptidão do trabalhador.

Primeiramente, vejamos o  que dispõe a CLT sobre o afastamento do empregado por motivo de doença:

Art. 476, CLT: Em caso de seguro-doença ou auxílio-enfermidade, o empregado é considerado em licença não remunerada, durante o prazo desse benefício.

Após alta previdenciária, empregado deve ser submetido a exame de retorno, sendo uma obrigação do empregador agendar o exame de retorno para o empregado. Nos termos da NR 7 da Portaria 3.214 /78 do Ministério do Trabalho:

NR 7  – 7.5.6. O PCMSO deve incluir a realização obrigatória dos exames médicos: 

 a) admissional

b) periódico

c) de retorno ao trabalho

d) de mudança de riscos ocupacionais

e) demissional

7.5.9. No exame de retorno ao trabalho, o exame clínico deve ser realizado antes que o empregado reassuma suas funções, quando ausente por período igual ou superior a 30 (trinta) dias por motivo de doença ou acidente, de natureza ocupacional ou não. (g.n.)

Duas questões, então, merecem ser enfrentadas sobre este tema: há ilegalidade no limbo previdenciário-trabalhista?  O ato da autarquia previdenciária prevalece sobre o ato médico praticado no âmbito privado? 

A Lei nº 605/49 estabelece uma ordem de preferência que já traz indício de prevalência do médico do INSS sobre o médico da empresa:

Art. 6º., § 2º.: A doença será comprovada mediante atestado de médico da instituição da previdência social a que estiver filiado o empregado, e, na falta deste e sucessivamente, de médico do Serviço social do Comércio ou da Indústria; de médico da empresa ou por ela designado; de médico a serviço de representação federal, estadual ou municipal incumbido de assuntos de higiene ou de saúde pública; ou não existindo estes, na localidade em que trabalhar, de médico de sua escolha. (g.n)

O entendimento jurisprudencial tem sido no sentido de se considerar, portanto, responsabilidade da empresa o pagamento dos salários quando o médico do trabalho contraria entendimento oriundo da perícia do INSS. Vejamos abaixo:

ALTA PREVIDENCIÁRIA E INAPTIDÃO PARA O TRABALHO ATESTADA PELA EMPRESA. OBRIGAÇÃO DA EMPREGADORA. LIMBO PREVIDENCIÁRIO E TRABALHISTA. CONFIGURAÇÃO. Deve a empresa, diante da alta previdenciária, permitir o retorno do empregado ao seu posto de trabalho, ainda que em função distinta daquela para a qual foi contratado. Isso porque, embora o empregador tenha o dever de preservar a integridade física e a saúde do trabalhador, não pode privá-lo de seu direito ao recebimento de salário. Nesse sentido, deve-se dizer que, em não estando o contrato de trabalho suspenso em razão de licença conferida pelo INSS, é devido o pagamento dos salários e consectários. In casu, evidenciada a instauração de divergência entre a Autarquia previdenciária e a empregadora acerca da aptidão do empregado para o trabalho, há de prevalecer o ato da autarquia previdenciária, por gozar de presunção relativa de legitimidade e veracidade, não impugnada pela ré, em quaisquer instâncias, seja administrativa ou judicial. (TRT da 3.ª Região; PJe: 0011128-69.2020.5.03.0143 (ROT); Disponibilização: 11/05/2022, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 1323; Órgão Julgador: Quarta Turma; Relator: Maria Lucia Cardoso Magalhaes)

O entendimento será diferente quando o desinteresse no retorno ao trabalho é do próprio trabalhador, como se lê no julgado abaixo:

LIMBO PREVIDENCIÁRIO. O auxílio-doença é devido ao empregado que ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (art 59, caput, da lei 8.213/1991), devendo o benefício ser mantido ser mantido até que o segurado seja considerado reabilitado para o desempenho de atividade que lhe garanta a subsistência (art. 62, §1º, da lei 8.213/91). Após a cessação do benefício previdenciário, incumbe à empresa convocar o empregado às suas atividades regulares, restabelecendo seu contrato de trabalho e o pagamento do salário, devendo, se necessário, readaptá-lo a função condizente com a limitação física do obreiro. No presente caso, a prova documental acostada aos autos pelo próprio autor demonstra que a ré ofereceu readaptá-lo a um novo cargo na empresa (manobra). Nada obstante, o obreiro, sem ao menos realizar o exame médico necessário à constatação de sua eventual inaptidão à função oferecida, optou por não retornar à empresa para laborar no referido cargo. Dessarte, tem-se que a situação de limbo previdenciário foi provocada pelo próprio obreiro. (TRT da 3.ª Região; PJe: 0011522-60.2019.5.03.0095 (ROT); Disponibilização: 04/04/2022, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 2101; Órgão Julgador: Decima Primeira Turma; Relator: Convocado Marcio Toledo Goncalves)

Outra situação ocorre, ainda, quando é o próprio empregado quem se julga inapto para o trabalho, recorrendo da sua alta médica previdenciária na esfera administrativa ou judicial. Por óbvio, seria um contrassenso exigir retorno de pessoa que, perante o INSS ou o Poder Judiciário, alega ainda estar doente, sendo certo que, admitindo-se seu retorno, sua condição poderia até agravar-se. Além disso, uma procedência de seu pedido nas esferas administrativa ou judicial geraria um duplo ganho para o trabalhador, que recebeu salários e depois teria reconhecida sua incapacidade ensejadora de benefício previdenciário, gerando um impasse de difícil solução. Abaixo, jurisprudência sobre esse tipo de situação:

LIMBO JURÍDICO-PREVIDENCIÁRIO OU SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO DE PAGAMENTO DE SALÁRIOS E CONSECTÁRIOS LEGAIS NO PERÍODO DE SUSPENSÃO. No caso em exame, não restou configurado o chamado “limbo jurídico-previdenciário”. A hipótese é de período de suspensão do contrato de trabalho (“quando não há trabalho e não há salário”), eis que o próprio reclamante estava se considerando inapto para o trabalho, ao requerer administrativa ou judicialmente perante o INSS a prorrogação ou concessão de benefício previdenciário, aguardando a resposta sem trabalhar. O reclamante sequer tentou o retorno às atividades, não se podendo falar, com efeito, em negativa da reclamada. Somente se falaria em “limbo jurídico-previdenciário” em caso de impedimento pela empregadora e o reclamante buscasse em juízo imediatamente a reintegração ao trabalho ou a rescisão indireta do contrato de trabalho (porque a empregadora estaria descumprindo a obrigação contratual de “dar trabalho”). Recurso do reclamante desprovido. (TRT da 3.ª Região; PJe: 0010722-21.2019.5.03.0131 (ROT); Disponibilização: 04/02/2022, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 1378; Órgão Julgador: Nona Turma; Redator: Rodrigo Ribeiro Bueno)

De qualquer forma, a empresa não deve deixar de cumprir os trâmites legais de convocação do empregado para o exame médico, até para se resguardar de possíveis responsabilidades, como se lê na decisão abaixo:

LIMBO JURÍDICO TRABALHISTA-PREVIDENCIÁRIO. DEVER DE REALIZAÇÃO DE EXAME MÉDICO APÓS A ALTA PREVIDENCIÁRIA PARA QUE SEJA ATESTADA A CAPACIDADE OU INCAPACIDADE DO EMPREGADO. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA RECUSA POR PARTE DO EMPREGADO. OMISSÃO DA EMPRESA. Conforme dispõe a NR7 (item 7.4.3.3) é obrigação da ré providenciar a realização do exame médico após a alta previdenciária, pois, ainda que a autora afirme que está incapacitada pelo exercício de suas funções, essa decisão não compete ao empregado, mas sim ao médico do trabalho, que tem o conhecimento técnico para atestar a aptidão ou inaptidão do empregado para o trabalho. (TRT da 3.ª Região; PJe: 0010170-43.2021.5.03.0145 (ROT); Disponibilização: 10/01/2022, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 156; Órgão Julgador: Primeira Turma; Redator: Emerson Jose Alves Lage)

Portanto, como se vê, a situação do limbo previdenciário trabalhista é um tema que traz inúmeras questões sensíveis e que merece toda a atenção tanto de empregados, como de empregadores.

Autoria do artigo:

Carlos Eduardo Paletta Guedes

Suzana Maria Paletta Guedes Moraes

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